Coordenador Técnico | Bovinos de Corte
MCassab Nutrição e Saúde Animal
O outono e o inverno são estações do ano caracterizadas por menor índice pluviométrico (Roth, 2012), pastos apresentam menor acúmulo de massa (Euclides, 2000), são compostos por menor teor proteína bruta (PB) e apresentam menor digestibilidade de matéria orgânica [(MO) Euclides et al., 1996)] quando comparados ao verão. Por consequência, bovinos de corte mantidos em produção a pasto nesta época do ano e submetidos aos mesmos níveis de suplementação praticados no verão, apresentam menor ganho de peso diário [(GPD); Roth, 2012].
Sendo assim, para que os animais mantenham GPD semelhante ao observado no verão, é necessário que sejam implementados níveis de suplementação crescentes ao longo do outono/inverno. No entanto, cada propriedade detém uma estratégia produtiva, e olhando especificamente para sistemas produtivos de engorda de bovinos, a terminação em confinamento muitas vezes se torna uma opção viável a partir deste período do ano.
Tomada a decisão de terminar bovinos de corte em confinamento, necessitamos refletir a respeito de fatores que circundam “o sucesso durante a terminação em confinamento”, e neste primeiro artigo, de uma série de publicações sobre confinamento, estaremos discutindo fatores relacionados a recepção/adaptação de bovinos nesta “etapa produtiva”.
Avaliar o consumo de matéria seca (CMS) de bovinos confinados é uma prática de suma importância para gerenciar as magnitudes desta variável em relação aos valores esperados ao longo dos dias de confinamento, pois caso seja necessário, ações operacionais/nutricionais devem ser tomadas para restabelecer o CMS às magnitudes adequadas. Apesar de outras variáveis produtivas serem auditadas durante as visitas periódicas, existem situações que nos deparamos com lotes de animais apresentando CMS abaixo do esperado, nas quais, a raiz deste baixo consumo não é identificada durante as visitas ao confinamento, pois, os fatores influentes podem estar associados as circunstâncias externas à operação, como por exemplo, falta de acondicionamento dos animais recém confinados ao cocho de alimentação, como também devido a integridade da saúde destes animais no início desta fase produtiva.
Hutcheson e Cole (1986) consolidaram dados de CMS % peso vivo (PV) de novilhos confinados previamente familiarizados ou não familiarizados à cochos de alimentação. Esses autores observaram que durante os três períodos de avaliação (1-7d; 8-14d e 15-28d) novilhos previamente familiarizados aos cochos de alimentação mantiveram o CMS %PV 1 unidade percentual superior aos novilhos não familiarizados previamente aos cochos. Em outro estudo, Hutcheson (1988) consolidou os dados de consumo de bovinos [%PV;(referente a 7 anos de pesquisa)] ao longo de três períodos 1-7d; 1-28d e 1-56d, no qual os animais foram classificados no início do período de confinamento como saudáveis ou mórbidos. Os resultados desta análise demonstraram que animais saudáveis obtiveram consumo superior (%PV) aos animais mórbidos nos três diferentes períodos, 72; 47 e 13% respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1. Ingestão alimentar de bezerros recém-chegados a fazenda, % do peso vivo¹
Em estudo realizado por Blakebrough-Hall et al. (2020) bovinos de corte confinados foram classificados como acometidos com doença respiratória bovina (DRB) moderada, severa ou não acometidos, através da metodologia de análise de classe latente. Os resultados deste estudo demonstraram que o GPD até o momento do primeiro tratamento contra DRB foram inferiores para bovinos classificados com DRB moderada e severa (0,4±0,17b; -0,7±0,37c respectivamente) quando comparados aos animais saudáveis (2,1±0,15a). Entretanto, apesar do GPD de bovinos não acometidos com DRB (2,0±0,04a) também ter sido superior ao GPD de animais classificados como DRB moderada (1,7±0,04b) e severa (1,1±0,09c) durante todo o período de confinamento, animais identificados inicialmente com DRB moderada e tratados, aumentaram consideravelmente o GPD no período total de confinamento. Sendo assim, reforçar a atenção durante as rondas sanitárias no período de recepção e adaptação dos animais é de suma importância, pois, animais identificados precocemente como mórbidos e submetidos a tratamentos, aumentam consideravelmente as chances de restabelecerem a integridade da sua saúde, e por sua vez, aumentam o desempenho durante a terminação em confinamento.
Outras fontes influentes no desempenho e parâmetros metabólicos de bovinos de corte durante a recepção em confinamento são transporte, restrição hídrica e alimentar. Marques et al. (2012) avaliaram o desempenho e respostas fisiológicas de bovinos de corte transportados (TRANS) em caminhões durante 24 horas (h), submetidos a 24h de restrição (RES) hídrica e alimentar, ou não transportados e mantidos com acesso ad libitum à água e alimento (CON). Animais TRANS e RES obtiveram menor GPD (0,910 e 0,970 kg/d respectivamente) durante os primeiros 28 dias de confinamento quando comparados a animais CON (1,270 kg/d). Animais TRANS obtiveram maiores (P=0,02) concentrações de cortisol (ng/ml) comparados a animais CON apenas no 1º dia após recepção no confinamento, enquanto que animais RES mantiveram maiores concentrações de cortisol nos dias 1, 7, 10, 14, 21, 28 e 1, 7, 14 e 28 comparados aos animais dos grupos TRANS e CON, respectivamente. Cooke et al. (2013) também avaliaram a influência do transporte (TRANS) prévio ao início do período do confinamento no desempenho e respostas fisiológicas de animais confinados. Animais TRANS por 1280 quilômetros (km) obtiveram menor GPD (1,02 kg/d) durante os primeiros 28d comparados a animais não transportados [CON (1,180 kg/d)]. Ainda nesse estudo, animais TRANS demonstraram maiores concentrações de haptoglobina (µg/ml) nos dias 1 e 4 após início do confinamento quando comparados a animais do grupo CON. Desta forma, ter conhecimento prévio sobre o tempo de transporte, restrição hídrica e alimentar dos animais se torna relevante para compreender a potencial influência destas variáveis no desempenho de bovinos durante a fase de terminação em confinamento. Também devemos destacar que o entendimento sobre estas alterações fisiológicas nos permitem adotar estratégias sanitárias (Richeson et al., 2008) e nutricionais (Moriel et al., 2015) mais adequadas para aliviar o impacto destes fatores estressantes no desempenho dos animais terminados em confinamento.
Apesar do condicionamento de bovinos de corte a cochos de alimentação pré-confinamento ser benéfica ao CMS no início desta nova fase (Hutcheson e Cole, 1986), apenas a familiarização dos animais aos cochos sem submetê-los a adequada adaptação pode ser um fator limitante ao desempenho (Brown et al., 2006) durante a engorda em confinamento.
Parra et al. (2019) avaliaram o efeito do tipo de protocolo [fornecimento restrito da dieta final ou em escadas (múltiplas dietas)] e período de adaptação (14 ou 21d) no desempenho, características de carcaça, comportamento alimentar e morfometria ruminal de bovinos Nelore confinados. Tipo de protocolo ou dias de adaptação não afetaram o peso vivo (Dias 28, 56 e 85) e GPD (0-28d; 0-56d; 0-84d) dos animais confinados em nenhum dos períodos avaliados. Porém, bovinos adaptados com o protocolo de restrição obtiveram menor CMS (absoluto e %PV) nos dois primeiros períodos (0-28 e 0-56d) comparados a animais adaptados com protocolo em escadas. Animais adaptados durante 14d obtiveram maior CMS (absoluto e %PV) no período 0-28d comparados a animais adaptados por 21d, enquanto que animais adaptados com protocolo de restrição demonstraram maior variação do CMS [CMSvar; (absoluto e %PV)] em todos os períodos (0-28; 0-56 e 0-84d) comparados a animais adaptados em protocolo escada. A CMSvar (absoluto) foi influenciada por dias de adaptação, sendo que animais adaptados por 14d obtiveram maior CMSvar no primeiro período (0-28d) comparados a animais adaptados durante 21d. Período de adaptação também influenciou peso de carcaça quente (PCQ) e rendimento de carcaça (RC), sendo que animais adaptados durante 14d obtiveram maior PCQ e RC comparados a animais adaptados por 21d.
Em relação ao comportamento alimentar dos animais avaliados neste estudo, bovinos submetidos ao protocolo de adaptação com restrição fizeram refeições mais rápidas (P<0,01) e permaneceram mais tempo descansando (P<0,01) comparado a animais adaptados com protocolo escada. Do ponto de vista da morfometria ruminal, animais adaptados com protocolo do tipo restrição tiveram menor área de superfície absortiva [ASA (cm²)] comparado a animais adaptados com protocolo escada. Período de adaptação foi significativo em relação ao número de papilas (cm²) e ASA, sendo que animais adaptados durante 14d demonstraram menor número de papilas e ASA comparado a animais adaptados durante 21d. Desta forma, a extensão do controle sobre os processos operacionais no confinamento irá ditar qual protocolo de adaptação devemos escolher, como também, o número de dias que os animais poderão/deverão ser adaptados no confinamento.
“O sucesso durante a terminação em confinamento” é determinado por diversos fatores, garantir que cada etapa aqui discutida seja identificada, monitorada e se necessário manejada contribuirá positivamente no desempenho de bovinos confinados. Para auxiliar no aprofundamento das discussões e tomada de decisão sobre esses temas, conte com a equipe de especialistas da MCassab Nutrição Animal.
Referências
Blakebrough-Hall, C.; Hick, P.; Gonzáles, L. A. 2020. Predicting bovine respiratory disease outcome in feedlot cattle using latent class analysis. Journal of Animal Science, Vol. 98, No. 12, 1-10. Doi:10.1093/jas/skaa381.
Brown, M. S.; Ponce, C. H.; Pulikanti, R. 2006. Adaptation of beef cattle to high-concentrate diets: Performance and ruminal metabolism. Journal of Animal Science, Vol. 84, E25-E33.
Cooke, R. F.; Cappellozza, B. I.; Guarnieri Filho, T. A.; Bohnert, D. W. 2013. Effects of flunixin meglumine administration on physiological and performance responses of transported feed cattle. Journal of Animal Science, 91:5500-5506. doi:10.2527/jas.2013-6336.
Euclides, V. P. B.; MACEDO, M. C. M.; Vieira, A.; Oliveira, M. P. 1996. Valores nutritivos de cinco gramíneas sobre pastejo. In: Reunião anual da sociedade brasileira de Zootecnia, 32., 1996, Fortaleza. Anais, Fortaleza: SBZ, 1996. p. 90-92.
Euclides, V. P. B. 2000. Alternativas para intensificação de carne bovina em pastagem. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, p. 65.
Hutcheson, D. P. 1988. Nutrient requirements of diseased stressed cattle. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Vol. 4, No. 3.
Hutcheson, D. P.; Cole, N. A. 1986. Management of transit-stress syndrome in cattle: nutritional and environmental effects. Journal of Animal Science, 62:555-560.
Marques, R. S.; Cooke, R. F.; Francisco, C. L.; Bohnert, D. W. 2012. Effects of twenty-four hour transport or twenty-four hour feed and water deprivation on physiologic and performance responses of feeder cattle. Journal of Animal Science, 90:5040-5046. doi: 10.2527/jas2012-5425.
Moriel, P.; Artioli, L. F. A.; Poore, M. H., Confer, A. W.; Marques, R. S.; Cooke, R. F. 2015. Journal of Animal Science, 93:4473-4485. doi:10.2527/jas2015-9238.
Parra, F. S.; Ronchesel, J. R.; Martins, C. L.; Perdigão, A.; Pereira, M. C. S.; Millen, D. D.; Arrigoni, M. D. B. 2019. Nellore bulls in Brazilian feedlots can be safely adapted to high-concentrate diet using 14-day restriction and setp-up protocols. Animal Production Science. https://doi.org/10.1071/AN18207.
Richeson, J. T.; Beck, P. A.; Gadberry, M. S.; Gunter, S. A.; Hess, T. W.; Hubbell, D. S. III.; Jones, C. 2008. Effects of on-arrival versus delayed modified live virus vaccination on health, performance, and serum infectious bovine rhinotracheitis titers of newly received beef calves. Journal of Animal Science, 86:999-1005. doi: 10.2527/jas.2007-0593.
Roth, M., de T., P. 2012. Estratégia de suplementação na recria em pastagens e terminação em confinamento de tourinhos da raça nelore. Tese (Doutorado em Zootecnia) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP – Campus de Jaboticabal-SP.