Por Victor Graciliano Luccas da Fonseca
(Coordenador Técnico MCassab I Bovinos de corte)
Ao longo desses últimos 11 anos, contribuindo ativamente na indústria de bovinos de corte, adquiri inenarráveis experiências e conhecimentos ao qual sou muito grato a todos os profissionais que interagi neste setor. Porém, nesse período também tive uma amostra temporal minimamente segura para identificar que algumas máximas são postuladas no mercado, e dentre elas, a de que “uma vaca de corte necessita consumir suplemento mineral (SM) com 90 g de fósforo (90F) por quilograma (kg) de produto para estar nutrida adequadamente”.
Sendo assim, partindo desta premissa, independente do estado fisiológico desta vaca como também a estação do ano, uma vaca de corte estaria atendendo suas exigências nutricionais de fósforo e outros macro e microminerais apenas quando suplementada com sal mineral 90F, ainda sem considerar outros nutrientes não presentes no SM, como nutrientes digestíveis totais (NDT) e proteína bruta (PB).
- E é neste ponto que deveríamos fazer algumas perguntas:
1. Qual o peso vivo (PV) atual desta vaca? - 2. Qual seu escore de condição corporal (ECC)?
- 3. A vaca está gestante? Está em lactação? Se sim, há quantas semanas?
- 4. Qual o ganho de peso diário (GPD) objetivo para esta vaca?
- Sem a resposta dessas perguntas, é pouco provável que tenhamos condições de quantificar de forma precisa as exigências nutricionais de uma vaca de corte, e por sua vez, desenhar o protocolo nutricional mais adequado para ela.
Tabela 1. Exigências nutricionais¹ de vacas Nelore multíparas com 450kg PV, ECC 5, GPD 0,300kg/d, em três diferentes estados fisiológicos.
¹Valadares Filho et al. (2020); ²NG = Não gestante; G = Gestante (180d); G/L = Gestante e lactante (40d de gestação e 12 semanas de lactação 5L/vaca/d); ³CMS = consumo de matéria seca; 4NDT = Nutrientes digestíveis totais; 5PB = Proteína bruta.
Através desses resultados observamos que as exigências nutricionais de vacas de corte não são iguais em estados fisiológicos diferentes. Como também, é digno de nota de que as exigências nutricionais de vacas de corte são influenciadas por PV e GPD (Valadares Filho et al., 2020).
Sendo assim, retornamos a máxima “uma vaca de corte necessita consumir suplemento mineral com 90 g de fósforo por kg produto para estar nutrida adequadamente”. Mediante a esta simulação e análise, te pergunto, esse postulado faz sentido e ainda deve ser encarado como uma verdade absoluta?
Bom, seguimos para a próxima análise:
Conforme descrito na Tabela 1, estima-se que vacas Nelore NG, G e G/L consumam diariamente 9,00; 8,61 e 8,42 kg de matéria seca (MS), respectivamente. Em um cenário comparativo referente a exigência nutricional de vacas gestantes/lactantes (Tabela 1), ou seja, vacas com menor CMS e maiores exigências nutricionais aqui avaliadas, suplementadas com SM a nível de 25 g para cada 100 kg PV, teremos uma dieta (suplemento + pasto) composta por 1,32 % (SM) de sal mineral e 98,68 % de recurso forrageiro basal, o pasto.
Desta forma, levando em consideração o valor nutricional do capim Brachiaria decumbens no período de águas (Tabela 2), estimamos que uma vaca G/L consumirá diariamente 4,69 kg de NDT, 836 g de PB e 29 g de fósforo quando suplementadas com SM composto por 9 % de fósforo (90 g de fósforo/kg de SM); mesma quantidade de NDT, PB e 28 g de fósforo quando suplementadas com SM composto por 8% de fósforo (80 g de fósforo/kg de SM); e novamente a mesma quantidade de NDT, PB e 25 g de fósforo quando suplementadas com SM composto por 6% de fósforo (60 g de fósforo/kg de SM). Ou seja, nesses três cenários de suplementação, os SM com diferentes níveis de fósforo atenderiam os requerimentos nutricionais de fósforo de uma vaca Nelore G/L, como também, atenderiam as exigências nutricionais aqui avaliadas de vacas Nelore multíparas NG e G.
Tabela 2. Valores nutricionais do capim Brachiaria decumbens referente ao período de águas¹
¹ Valadares Filho et al. (2018); ²DP = Desvio padrão; N = Número de amostras; ³NDT = Nutrientes digestíveis totais; 4PB = Proteína bruta. |
A conclusão no parágrafo anterior se manteria a mesma se estivéssemos avaliando um programa nutricional com suplementação de minerais adensados (SMA) da linha de produtos +BEEF (Tabela 3). Mesmo com concentrações de fósforo inferiores aos produtos tradicionalmente comercializados e suplementados a vacas de corte em reprodução, vacas G/L suplementadas com os SMA Avante e Upper consumiriam diariamente 26 e 30 g de fósforo (soma de suplemento + pasto) respectivamente. Essa magnitude de consumo de fósforo se deve ao fato de os SMA proporcionarem maior consumo diário quando comparado aos SM tradicionais. Ou seja, uma vaca consumindo SMA pode consumir mais gramas de fósforo por dia comparada a uma vaca suplementada com SM 90f.
Tabela 3. Valores nutricionais referente aos suplementos minerais adensados Avante e Upper (MCassab Nutrição Animal, São Paulo, Brasil)
Em trabalho realizado por Goulart (2010), novilhos Nelore mantidos em pastagens e suplementados com sal mineral demonstraram elevado coeficiente de variação (cv) em relação ao consumo de suplemento. Também foi observado que pelo menos 48 % dos animais suplementados não consumiram sal mineral nas datas amostrais. Esses dados sugerem que alta a variabilidade de consumo de sal mineral entre os animais é intrínseca ao perfil do suplemento, sendo assim, garantir que manejo o nutricional seja realizado de forma correta, que as infraestruturas de suplementação estejam íntegras e que os dimensionamentos dos cochos estejam adequados com o nível de suplementação se torna primordial para minimizar quaisquer efeitos negativos no consumo de suplementos.
Os SMA são fórmulas com alvo de consumo em torno de 50 g de suplemento para cada 100 kg de PV animal. Majoritariamente, esses suplementos são compostos por aditivos nutricionais melhoradores de desempenho.
Em revisão realizada por Marques e Cooke (2021) na qual os autores discutiram sobre a suplementação de ionóforos à bovinos de corte e seu efeito na fermentação ruminal, é destacado o efeito consistente da manipulação da fermentação ruminal em direção às rotas mais eficientes, como também é digno de nota a elevada quantidade de estudos publicados avaliando os benefícios dessas tecnologias. Bretschneider et al. (2008) revisaram a literatura avaliando o efeito de aditivos nutricionais melhoradores de desempenho em relação ao desempenho de bovinos de corte consumindo dietas a base de forragem suplementados com SM, suplemento proteico ou energético. Animais suplementados com monensina (46 observações) obtiveram um delta de 12,10% (GPD monensina = 0,74 kg/d; GPD sem monensina = 0,66 kg/d) (Figura 1).
Figura 1. Desempenho de animais criados em sistema de pastejo recebendo suplementos múltiplos com ou sem a inclusão de monensina (Bretschneider, et al., 2008).
Vedovatto et al. (2022) avaliaram o desempenho e parâmetros metabólicos de Vacas Brangus suplementadas com dried distillers grains (DDG) com ou sem monensina no terço final de gestação, e o desempenho pré-desmama das progênies. Vacas suplementadas no terço final com DDG e monensina obtiveram maior ECC (P<0,0001) no início (d142) e 26 dias após o início (d168) da estação de monta (EM). Bezerros filhos de vacas suplementadas com DDG e monensina obtiveram maior (P=0,002) concentração de IgG (coletado dentro de 12h após o parto, apenas após o consumo de colostro) e maior GPD (P=0,002) do nascimento até o desmame (d325).
Em tese, não devemos apenas escolher o suplemento mineral baseado em seu teor de fósforo, mas sim, ponderar essa escolha baseada no estado fisiológico da vaca, na época do ano em que elas estão sendo suplementadas, por sua vez no valor nutricional do capim, como também na oferta de pasto disponível a estes animais.
Garantir que não haja restrição de forragem a nível de impedir o consumo voluntário do animal é primordial, e a utilização de suplementos minerais aditivados é uma ótima alternativa para potencializar a produção de vacas de corte. Porque nem só de fósforo viverá a vaca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bretschneider, G.; Elizalde, J. C.; Pérez, F. A. 2008. The effect of feeding antibiotic growth promoters on the performance of beef cattle consuming forage-based diet: A review. Livestock Science, 114, 135-149. doi: 10.1016/j.livsci.2007.12.017.
Marques, R. d. Silva; Cooke, R. F. 2021. Effect of Inophores on Ruminal Function of Beef Cattle. Animals, 11, 2871. https://doi.org/10.3390/ani111028771 .
Goulart, R. C. D. 2010. Avaliação de antimicrobianos como promotores de crescimento via mistura mineral para bovinos de corte em pastejo. Tese (Doutorado em Ciência Animal e Pastagens) – Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.
Valadares Filho, S.C.; Lopes, S.A. et al., CQBAL 4.0. Tabelas Brasileiras de Composição de Alimentos para Ruminantes. 2018. Disponível em: www.cqbal.com.br
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Valadares Filho, S. C.; Lopes, S. A., Chizzotti, M. L. et al. BR-Corte 5.0. Formulação de dietas, predição de desempenho e análise econômica de zebuínos puros e cruzados. 2020. Disponível em www.brcorte.com.br.
Valdovatto, M.; Izquierdo, V.; Palmer, E.; Oliveira, R. A.; Silva, H. M.; Vendramini, J. M. B.; Moriel, P. 2022. Monensin supplementation during late gestation of beef cows alters maternal plasma concentrations of insulin-like growth factors 1 and 2 and enhances offspring preweaning growth. Translational Animal Science, 6, 1-10. https://doi.org/10.1093/tas/txac105.
Wagner, J. J.; K. S. Lusby, J. W. Oltjen; J. Rakestraw, R. P. Wettemann; and L. E. Walters. 1988. Carcass composition in mature Hereford cows: estimation and effect on daily metabolizable energy requirement during winter. J. Anim. Sci, 66:603–612. doi:10.2527/jas1988.663603x