O uso da Bacitracina de zinco na produção de suínos: benefícios e segurança alimentar

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Maria Carolina Gonçalves Toth Tonelli

Gerente Unidade de Negócio | Suínos
MCassab Nutrição e Saúde Animal

A suinocultura brasileira vem crescendo a cada ano. Segundo a Associação Brasileira de Produção Animal (ABPA), a produção nacional apresentou recorde em 2023, com 5,16 milhões de toneladas, posicionando o Brasil como o 4º maior produtor global, atrás somente de China, União Europeia e Estados Unidos. Este crescimento se deve a melhoria continua do processo de produção, que engloba desde o desenvolvimento genético, controle sanitário, nutrição, até a escolha de aditivos nutricionais e antimicrobianos adequados para uma granja.

Antimicrobiano é definido pela Organização Mundial da Saúde como toda substância de origem natural, sintética ou semissintética, que em baixas concentrações destrói ou inibe o crescimento de microrganismos, causando pequeno ou nenhum dano ao organismo hospedeiro (OMS). Na suinocultura, os antimicrobianos são usados tanto no controle de infecções bacterianas como também se faz uso de antimicrobianos com a finalidade de melhorar o desempenho dos animais, esses conhecidos como promotores de crescimento.

Os antibióticos melhoradores de desempenho são definidos como agentes antibióticos utilizados com o propósito de aumentar o ganho de peso diário ou a eficiência alimentar em animais produtores de alimentos (WHO, 2000). O uso de melhoradores de desempenho não é considerado de uso veterinário para tratamentos de doenças infecciosas, pois são usadas baixas doses de moléculas, permitidas pelo MAPA para este fim, junto à ração. O uso de aditivos melhoradores de desempenho tem como  finalidade aumentar as taxas de crescimento animal e eficiência alimentar enquanto reduz a mortalidade. (Teillant et al., 2015). Os antibióticos melhoradores de desempenho são os principais aditivos usados na alimentação animal e estão conectados a melhorias na produtividade animal (Brown et al., 2017).

De um modo geral, os chamados melhoradores de desempenho reduzem a carga bacteriana total e aumentam a absorção de nutrientes; isso determina um acréscimo diário de ganho de peso e, consequentemente, uma melhor conversão alimentar, eles também favorecem o crescimento de alguns microrganismos e previnem uma possível multiplicação bacteriana patogênica no trato gastrointestinal (Durso et al., 2014). Acredita-se que a eficiência alimentar aconteça em razão da redução da carga bacteriana entérica e, em vista disso, haja diminuição da energia consumida; sendo, então, a energia disponível utilizada no crescimento animal.

Lista de antimicrobianos autorizados pelo MAPA como aditivos melhoradores de desempenho:

Os antimicrobianos na produção de suínos, quando usados com responsabilidade técnica, são grandes aliados para controle de patógenos, melhoria do bem-estar dos suínos, redução da mortalidade e melhoria da conversão alimentar.

Devido ao surgimento de bactérias superresistentes é a escassez de novas moléculas para uso na medicina humana e veterinária, o uso de antimicrobianos na produção animal vem sendo questionado.

 Desde 2010, a Aliança Tripartite formada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). As três organizações trabalham de forma a mitigar os riscos na interface da saúde pública, animal e do meio ambiente sob a perspectiva de Saúde Única, implementando planos nacionais de controle em sete paises da America do Sul, o qual inclui o Brasil com o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/ Animal), este plano prevê o monitoramento sistemático de resíduos químicos de preocupação de saúde pública em animais encaminhados para abate e processamento nos estabelecimentos registrados no DIPOA. O escopo de análise atual inclui ampla gama de medicamentos veterinários aprovados e não aprovados, agrotóxicos e contaminantes ambientais e industriais. Sendo assim, o PNCRC proporciona ao consumidor final total segurança alimentar.

Países como os da União Europeia especificaram legislações que proíbem o uso de antibióticos como aditivos promotores de crescimento. Já nas Américas, Ásia, Extremo Oriente e Oceania têm as maiores proporções de países que usam antimicrobianos com esta finalidade. (WOAH, 2020). Em uma análise realizada pela OMSA, que reúne informações de 93 países referentes ao ano de 2016 o consumo global total de antimicrobianos em animais foi de 92.269 toneladas, em 2016, distribuídos numa média de 144,39 mg/kg (WOAH, 2020).

No Brasil, algumas moléculas já tiveram uso proibido pelo MAPA, a lista de proibições segue abaixo.

A experiência em outros países que já baniram o uso de promotores de crescimento, associado a alguns estudos ao redor do mundo demonstra que a retirada de melhoradores de desempenho na produção suinos traz um grande impacto econômico
para a atividade. Alguns estudos estimaram o impacto econômico potencial da proibição dos melhoradores de desempenho na indústria de suínos dos EUA, que variam as estimativas de aumento de custos por suíno de USD 0,59 / suíno (Miller, 2003) à USD 4,50 / suíno (Hayes e Jensen, 2003). Essa grande variação também foi observada nos estudos conduzidos na Dinamarca, chegando a estimar o aumento de EUR 1,04 por suíno produzido (WHO, 2002).

Segundo Rostagno (2011), estudos realizados em países em que a restrição ao uso de aditivos foi imposta têm revelado aumento de incidência principalmente de doenças entéricas, como enterite necrótica; em decorrência, houve necessidade de aumentar a quantidade de antimicrobianos usados terapeuticamente.

No Brasil, Cardinal et al. (2019) realizaram um estudo utilizando meta-análise e modelagem no Laboratório de Ensino Zootécnico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o objetivo de estimar o impacto econômico e de desempenho da retirada dos melhoradores de desempenho das dietas de suínos. A base de dados de suínos continha 81 artigos científicos contendo 103 experimentos totalizando 42.923 suínos e os resultados mostraram uma clara conexão entre suplementação de antibióticos melhoradores de desempenho com o melhor desempenho dos suínos. Concluindo neste estudo, que o impacto econômico com a retirada do dos promotores de crescimento foi de US 1,83 por animal e US 79 258.694 por ano para a indústria suína brasileira.

No Brasil, dentre os melhoradores de desempenho mais utilizados na suinocultura está a bacitracina de zinco, devido a grande segurança em uso conferida à molécula.

A bacitracina de zinco é um antibiótico polipeptídico produzida a partir de culturas de Bacillus limchenformis. Os microrganismos sensíveis à bacitracina de zinco são, em sua maioria, bactérias Gram positivas, sendo pouco ou nada ativa contra bactérias Gram negativas (Spinosa,2017).

A bacitracina de zinco não é absorvida quando administrada pela via oral, devido seu elevado peso molecular que dificulta este tipo de absorção. Desta maneira sua atuação sobre as bactérias ocorre apenas dentro do trato gastrointestinal, durante o processo de digestão. 

Danoso (1970) examinou a distribuição e a excreção de bacitracina de zinco após administração oral em suínos mostrando que 95% da quantidade administrada da mesma foi excretada nas fezes com apenas quantidades mínimas detectadas no sangue e na urina. A bacitracina de zinco tão pouco é utilizada via parenteral, o que limita seu uso na medicina humana apenas ao uso tópico.

A bacitracina de zinco inibe a desfosforilação do pirofosfato lipídico e, na ausência do transportador, interrompe-se a síntese da parede celular que recobre a membrana citoplasmática da bactéria. Como essa parede é primordial para sobrevivência da bactéria, ela morre. Por este modo de ação diferenciado de outras classes antimicrobianas, apesar de a bacitracina de zinco ter sido descoberta em 1945, não existe relatos na medicina humana e veterinária que demonstrem o aumento da resistência bacteriana à bacitracina de zinco (Phillips, 1999).

A maior preocupação por parte do mercado consumidor e das organizações mundiais que trabalham para o uso responsável e redução do uso de antimicrobianos é o desenvolvimento de resistência bacteriana principalmente sobre bactérias Gram-negativas, como exemplo E.coli e Salmonella sp, mais facilmente encontradas como contaminantes em carcaças.

Porém, como relatado anteriormente, a molécula bacitracina não tem atuação sobre bactérias Gram-negativas, não oferecendo risco de transferência de resistência para essa classe bacteriana. Além deste fator, as bacitracinas também não foram classificadas como “criticamente importante” ou “altamente importante” para saúde Humana pela OMS (Organização Mundial da Saúde), FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), OIE (Organização Mundial da Saúde Animal) e FDA (Food and Drgu Administration). 

O uso responsável dos antimicrobianos, bem como o controle e a fiscalização para mitigar todo e qualquer risco de desenvolvimento de resistência bacteriana, é do interesse de todos para a manutenção dos conceitos da Saúde Única. O uso de antimicrobianos na produção de suínos continua sendo uma ferramenta de extrema importância para manutenção da sanidade, bem-estar animal, boa produtividade e eficiência econômica do setor.

 

Referências

ABPA: Relatório Anual ABPA 2024, https://abpa-br.org/abparelatorio-anual/

Brown, K., Uwiera, R. R., Kalmokoff, M. L., Brooks, S. P., & Inglis, G. D. 2017. Antimicrobial growth promoter use in livestock: a requirement to understand their modes of action to develop effective alternatives. International journal of antimicrobial agents, 49: 12-24. 

Cardinal, K.M, Kipper, M., Andretta, I., & Machado Leal Ribeiro, A. 2019. Withdrawal of antibiotic growth promoters from pig diets: performance indexes and economic impact – A meta-analysis Donoso J, O’Graig G & Baldwin RS (1970). The distribution and excretion of zinc bacitracin 14C in rats and swine. Toxicol. Appl. Pharmacol., 17: 366-374. 

Durso LM, Cook KL. 2014. Impacts of antibiotic use in agriculture: what are the benefits and risks? Curr Opin Microbiol. 19:37-44. 

MAPA – Atualização sobre Uso Racional de Antimicrobianos e Boas Práticas de Produção (2022) Elaboração Drª Silvia Adriana Mayer Lentz Médica Veterinária Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde – CIEVS Porto Alegre 

OIE (2021)List of antimicrobial agentes of veterinary importance. Acessed in https://www.woah.org/app/uploads/2021/06/aoie-list-antimicrobials-june2021.pdf 

Phillips (1999). The use of bacitracin as a growth promoter in animals produces no risk to human health. J. Antimicrobial. Chemot. 44: 725-728. 

Rostagno MH (2011). Impacto da restrição de antimicrobianos na indústria avícola. Anais do XII Simpósio Sul de Avicultura e III Brasil SiulPoultry Fair. Chapecó, SC, pp 121-32. 

Spinosa,H.S. Antibióticos que interferem na síntese da parede celular (Bacitracina, Glicopeptídeos e Fosfomicina) e na permeabilidade da membrana celular (Polimixinas). In: Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. Guanabara Koogan, Grupo Gen, 6ª Ed. São Paulo, SP, 2017, pp 489-490. 

World Health Organization. (2003) Joint FAO/OIE/ WHO Expert Workshop on Non-Human Antimicrobial Usage and Antimicrobial Resistance:Scientific Assessment. www.who.int/ foodsafety/micro/ meetingsen/report,pdf

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